quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

HAITI - 2010


terça-feira, 23 de junho de 2009

Caso Clayton - O que foi publicado - Nota oficial Movimento da Rua São Jorge

Nota oficial do Movimento da Rua São Jorge, formado por associados aos Gaviões da Fiel.

A VOZ DA RUA


Os fatos deviam sempre falar por si. Um bom jornalismo apresenta os fatos e deixa que os leitores, que têm inteligência suficiente para isso, cheguem às suas conclusões. Mas quando a grande mídia apresenta os fatos, já vai logo dando sua versão, não deixando espaço para um julgamento isento de opinião particular, de classe ou de preconceito. A grande mídia são os grandes jornais, as grandes emissoras de radio e TV, e seus apresentadores, que se crêem os donos da verdade e os paladinos da moral. Não todos, é claro. Mas uma grande maioria. São formadores de opinião que esquecem que de perto ninguém é normal. E que todos os seres humanos têm as suas perversões. Vai saber a vida de cada um. Sempre, um dia, alguma bomba estoura. E muitas máscaras caem. Mas enfim. Não é destes medíocres que vamos falar. Não agora.

O que queremos neste momento é elucidar os últimos fatos relacionados aos Gaviões da Rua São Jorge, e que foram levados á publico envoltos em versões que não correspondem à realidade. Versões que, para além do preconceito, escondem intenções muito mais amplas e maldosas, nesse jogo de bandido e mocinho que jogam os donos do poder deste país, e que faz de nós, torcidas organizadas, risíveis joguetes, numa engrenagem, que mesmo os mais atentos dentre nós, não percebemos com clareza. Também deste jogo de mocinho e bandido, e da criminalização da pobreza, que tem levado ao extermínio os jovens de nossas periferias, não trataremos aqui. Não agora.

Lembramos, apenas, que nossos jovens vêm, em sua estonteante maioria, dessas periferias desprovidas, desafortunadas, cheias de medo de não amanhecer, esquecidas das políticas publicas, principalmente para essa juventude. Também das necessidades dessas políticas públicas para a juventude, que sejam capazes de fazê-los acreditar em um futuro mais justo e digno para eles neste país, também não trataremos aqui. Não agora.

Nossa voz se levanta aqui para nos defender das mentiras que foram ditas por uns e veiculadas por outros a respeito dos fatos que ocorreram na quarta-feira, dia 04 de Junho de 2009. Versões alardeadas pelo Sr. Paulo Castilho e pela Sra. Ana Maria Braga. Aquele por maquiavélica inteligência. Esta por pura burrice e desinformação. Aliás, se o Louro José trocasse de lugar com ela, ninguém notaria. Não. Notariam sim. Ele tem mais inteligência do que ela. Ela é que é a papagaia. E aqui paramos pra pensar: Como podemos qualificar o ato cruel de invadir diariamente a residência de milhões de brasileiras pobres, que mal conseguem comprar o arroz, o feijão e a mistura, para torturá-las com receitas, comidas e guloseimas que elas nunca terão acesso? Como qualificar o ato de incitar desejos de consumo a uma população de miseráveis que nunca, nunca vão poder satisfazer-los? Quem é mais quem? Como ser mais você, se tudo na vida de quem é pobre é menos? O que Ana Maria diz diariamente em seu programa é: Olha, todos podem ter acesso a isso: Menos você. Como qualificamos isso? Tortura? Sacanagem? Ignorância? No entanto, D. Ana Maria Braga, se acha no direito de nos chamar de um bando de marginal e vagabundo.

Já a inteligência da perversidade do Sr. Paulo Castilho atende, não sabemos se consciente ou inconscientemente, às necessidades de elitização do futebol, que pede o afastamento dos favelados, dos periféricos, dos negros, dos mestiços, dos pobres, da imensa maioria do povo brasileiro. Porque, não nos enganemos, esse discurso de “famílias afastadas dos estádios”, não se mantém se verificamos a realidade. Ou aquele senhor que eu conheço e que mora na minha quebrada, que foi ao estádio com sua esposa e filha, não é família? A questão é saber de que família estes senhores da moral, estão falando. Não é da pobre e favelada. Mas desses processos de elitização do futebol não trataremos aqui. Não agora.

Faz-se necessário um debate interno dentro do Movimento da Rua São Jorge. Abrir a cabeça dos nossos jovens para o jogo perverso que nos envolve, e se não estivermos atentos, seremos arrastados pelo rolo compressor da mentira e da perversidade daqueles para quem a nossa criminalização só trará benefícios pessoais. Jovens promotores, querendo construir carreiras, se auto considerando, os benfeitores da sociedade. Jovens promotores que desconhecem a vida, o mundo real e a sociedade brasileira. Jovens promotores formados entre quatro paredes, presos a livros e a leis frias, que aplicam como dessem comprimidos para a dor de cabeça. Defensores da lei e da ordem que só beneficiam sua classe social. Pois não é com a sociedade pobre e marginalizada que eles estão preocupados. Mas desses jovens promotores também não trataremos aqui. Agora não.

O momento é de esclarecer a sociedade civil o que verdadeiramente aconteceu na Marginal Tietê. Porque não foi emboscada nenhuma. E olhamos perplexos um mundo de exageros e mentiras desabar sobre nossas cabeças. Condenados sem julgamento. Criticados por todos, sem conseguir expressar nossos sentimentos. Nossa dor pela perda de um irmão. Nossa revolta.

O nosso objetivo aqui será o de encaminhar a razão e procurar a verdade nos fatos. Recusar todos os preconceitos, não aceitando como verdadeira nenhuma versão que não seja comprovada. Vamos aqui enunciar versão a versão e mostrar o quanto são refutáveis.

Emboscada? Se por emboscada entendemos, e assim nos diz o Aurélio, que é o ato de esperar às escondidas pelo inimigo para atacá-lo de surpresa, Como pode ter sido emboscada se aquele sempre foi o caminho dos gaviões da Rua São Jorge? Todos sabem disso. Policia e torcidas adversárias. Não é um caminho que se vai quando se quer se esconder e atacar de surpresa. Ou o jovem promotor não entende nada de ciência militar, ou optou por mentir descaradamente.

Como emboscada se era 1 ônibus contra 13 num terreno pouco favorável a um ato destes? Um ônibus visível até pelos mais míopes. E esse único ônibus trazendo mulheres, crianças e um deficiente, ocupando espaço que poderia ser destinados a outros briguentos. Seria inteligente tirar homens e colocar mulheres e crianças para ir para uma briga?

Tínhamos escolta? Tínhamos. A nossa. Não porque fôssemos os poderosos e não precisássemos da colaboração da polícia, mas porque ela nos foi negada. Sem escolta batemos no peito pra dizer: é com nóis mesmo. Nossa defesa eram nossos punhos. Não tínhamos nenhuma arma. Muito menos a arma de alto calibre que foi veiculada na mídia. Mentira, mentira, mentira.

O fato é que quando chegamos na altura da rodoviária do tietê, três motos da Rocam, aparecem do nada, e nos joga para a direita. Se ela queria aparecer, porque não o fez desde a saída da Rua São Jorge? Após o viaduto das Bandeiras pararam nosso ônibus e carros. E olha a coincidência: “40 segundos” depois passavam os 13 ônibus vascaínos na pista central. E olha a coincidência: eles também foram parados. A rivalidade antiga aflorou, falou mais alto e eles marcharam para cima de nós. E aí já estávamos no meio de uma briga lutando pra se defender. Recuamos no sentido da ponte Tiradentes. Para trás ficaram nossos carros e o ônibus. Até esse momento ninguém tinha sido foi preso. Dos vascaínos ninguém chegou a ser preso. Seus ônibus seguiram tranquilamente para o estádio como se nada tivesse acontecido. E, então, voltarmos para os nossos carros e ônibus, acreditando que seria o mais seguro devido à presença da polícia no local. Eles mesmos disseram que nós tínhamos sido vítimas. Mas coma chegada da delegada Margareth e do jovem promotor, tudo mudou de figura.

Se tínhamos sido vítimas de vandalismo, roubo e morte, se tivemos nosso ônibus depredado, nossos carros destruídos e uma moto incendiada, passamos a ser os vagabundos, os criminosos, os bandidos.

Se somos bandidos porque insistimos em participar e dar nossa contribuição em todas as reuniões do Batalhão? Mesmo quando a delegada Margareth manda nossos representantes se retirarem da reunião, justificando que somos os Gaviões da Rua São Jorge, que não somos reconhecidos como tal, que não possuímos CNPJ.

Também fomos retirados de uma reunião no Fórum com o Promotor, o Secretário do Ministro e todas as outras torcidas organizadas. Não nos identificaram como Rua. Quem vive na rua vive ao relento. Sem voz, nem vez. É assim a nossa sociedade.

Se somos bandidos por que insistimos em pedir escolta? De início fomos atendidos. Mas logo começou o boicote. Inclusive de outras torcidas. Inclusive de parte da nossa torcida. Na rua é assim: cada um por si e Deus por todos.

Estão todos esses fatos e essa versão de emboscada desconectados um dos outros? São fatos isolados? Não se vê nessa forma de agir contra os Gaviões da Rua São Jorge uma certa lógica?

Sabemos que nos envolvemos em brigas. Sabemos que isso não leva a nada. Como sabemos, por experiência, que à medida que a idade vai chegando, esses pensamentos vão mudando. E nós mesmos, olhando em retrocesso o nosso passado de brigas, dizemos aos mais jovens, que isso é besteira, que não dá futuro a ninguém. Mas futuro, nenhum periférico tem nesse país. Então que diferença faz? O jovem se pergunta. E aí já não sabemos mais responder. Não somos sociólogos nem psicólogos sociais. Simplesmente nascemos dentro de uma realidade brasileira, de um contexto, de uma formação social que nos é adversa. Somos formamos nela. E respondemos tentando sobreviver a isso. Mantendo nossa sobrevivência psíquica em tempos de crise civilizatória. Sabemos, sim, que apesar das confusões que causamos, não somos bandidos, como querem fazer a sociedade crer. Não somos terroristas, que é o medo da moda desde o 11 de Setembro. Não somos delinqüentes nazistas que matam negros, nordestinos e índios. Somos periféricos que brigam com periféricos. E que nesse brigar, infelizmente, para nosso pesar e tristeza, morre, ás vezes, um jovem. Aí somos pobres matando pobres. É justamente aqui que riem de nós. E pensam: Isso! Matem-se. Mostrem à todos, quem vocês são de verdade. Vagabundos. Marginais. Bandidos. Se vocês são ou não são, isso não nos interessa. O que não queremos é que um bando de loucos estejam organizados. E que um dia, deixem de brigar e invadam câmaras e senados brigando por educação, igualdades e direitos. Pois é para isso que queremos caminhar. Que a cobrança por títulos para o Todo Poderoso Corinthians venha acompanha de outras cobranças, lutas e conquistas sociais e humanas. Que os Gaviões da Rua São Jorge possa contribuir verdadeiramente para a higienização do futebol, ocupando as salas e pondo os cartolas contra a parede. Em nome da nação Corinthiana, em nome da nação brasileira. Os Gaviões que se juntaram na Rua São Jorge, querem e vão brigar para construir um novo modelo de torcida. A cada dia com seu nível de consciência mais elevado, a cada dia mais organizada.

Mas aqui tem um bando de loucos, sim. Loucos por ti Corinthians. Loucos por ti minha quebrada. Loucos da rua. Porque a rua ensina e mostra ao homem a sua verdadeira dimensão. Porque a rua é do tamanho do mundo. A rua é o mundo. E o homem é do tamanho de uma pedra miúda. E, aqui, deixamos para todos nosso recado final: CNPJ? CNPJ é a rua mané. Nela, é nóis que tá. Movimento Gaviões da Rua São Jorge.

Caso Clayton - O que foi publicado - Por Mauro Carrara

A USP, o Corinthians, a Petrobras e o casamento caipira

Anavantur, anarriê, balancê, otrefoá.

Por Mauro Carrara*

Neste junho, aguardava eu o bálsamo nostálgico dos folguedos juninos. Pensava em quentão, pipoca e casamento caipira. Não existe ritual mais revelador da identidade brasileira que a boda dos desdentados, mistura do cordel mouro, da bufonaria saltimbanca européia e do baile francês de salão; tudo isso curtido no azeite cultural afro-brasileiro e indígena.

De alguma forma, o casamento caipira é nossa mais doce mentira, aquela necessária à aplacação dos tormentos da alma. Entre a noiva dengosa e o parceiro fanfarrão, estabelece-se um acordo de tempo marcado, tesouro civil numa época em que ainda não se admitia o divórcio.

Os padrinhos endossam a união efêmera e contente, tão verdadeira quanto seus bigodes de carvão. Tem o delegado de olho pidão, à espera de um agrado informal. Mas melhor mesmo é a figura do padre celebrante, cuja figura discretamente farrombeira satiriza todo e qualquer poder institucional.

Era esse teatro burlesco que me convidava ao Brasil. Cogitei até de bailar a quadrilha. Ando meio enferrujado, mas não teria dificuldade em passar pelo túnel de braços.

Depois de enfrentar o Adamastor do Atlântico, posei os pés em Cumbica. E aí fui me dando conta do drama junino brasileiro.

Bastou que uma consultoria apontasse a Petrobras como uma das empresas de melhor reputação no mundo e a súcia senatória contra ela assestou suas espingardinhas enferrujadas. Francamente, já cansou. Como é que o brasileiro ainda tolera os dramas enfadonhos de Agripino Maia, Arthur Virgílio, Álvaro Dias e Heráclito Fortes?

Pé nos fundilhos deles! Ação direta, já! Mandatos cassados por falta de decoro humorístico nas artes de Pinóquio. Maior crime: a insistência. Como dizia Terêncio, uma mentira vem sempre no encalço de outra.

Aí, estarrecido, descubro o que ocorreu com a turma de São Jorge. A polícia serrista resolveu parar 50 corinthianos no trajeto de 700 vascaínos. Viu de camarote o pau comer.

Um promotor de supermercado teve o rosto destruído. Tomaram-lhe as roupas e os documentos. Morreu. E aí a força policial levou os assassinos até o estádio do Pacaembu, como prêmio. Lá, os cruzados da infâmia exibiram com orgulho os bens do rapaz morto.

Um repórter de TV chegou a gravar a exibição dos troféus da barbárie, mas a polícia bicuda ignorou o fato e as evidências. O criminoso retornou ao Rio, bazofiando-se da proeza. Um promotor holofoteiro foi destacado para divulgar uma versão ridícula dos fatos, obviamente reproduzida pela imprensa zumbi de pena alugada.

Aí, assoma ao palco da notícia a nossa USP, agora sucateada, emburrecida, transformada no balcão educativo da divindade protetora dos mercados. Lá, conforme decisão do ex-líder estudantil Serra, os brucutus da PM é que discutem o contrato social.

Na academia, o debate ocorre na ponta do cassetete, ao aroma do gás de pimenta. Diante da violência da tropa, o conciliador sindicalista Brandão quis negociar, apaziguar, mas acabou preso, acusado de "desacatar a otoridade".

Os estudantes e funcionários resolveram copiar 68, entregando flores aos milicianos. Não funcionou. A retribuição se deu com bombas de gás lacrimogêneo e duros projéteis de borracha.

Os escribas de José Serra, acantonados na Barão de Limeira e na Marginal do Tietê, logicamente, reproduziram a versão oficial. Acusaram os reclamantes de baderneiros e fizeram essa versão circular na mídia satélite, que inclui portais de Internet e emissoras de rádio.

Esta, pois, é a chocarrice encenada pela vanguarda do atraso nas vésperas do Santo Antônio. Os roteiros são escritos pela eterna malta golpista, pelo chateadinho FHC (desde que Obama reconheceu as virtudes de Lula), pelo alucinado José Serra e pelos repórteres na coleira. As versões refinadas da farsa são tecidas diariamente por articulistas cafetinados pelos barões da mídia.

Repito: prefiro a festa matuta. Tem zabumba, sanfona e triângulo. Anavantur, anarriê, balancê, otrefoá. Grande roda à direita. Preparar para o grande galope. Preparar o serrote. Passeio na roça com roda. Passeio do amor à esquerda. Changê de damas. Roda à direita e à esquerda. Preparar para o túnel. Olha a chuva! É mentira! Olha a ponte! É mentira! Olha o Jornal Nacional! É mentira. Prepara o caracol. Retirê. C'est fini.


Mauro Carrara é jornalista, nascido em 1939, no Brás, em São Paulo. Na década de 80, prestou serviços para a ONU em países como China, Iraque e Marrocos. Atua na área de comunicação e relações internacionais.

Caso Clayton - O que foi publicado - Por Roque Citadini

Tudo a declarar

Por ROQUE CITADINI

As explicações das autoridades públicas sobre o trágico episódio do choque de torcidas da última quarta-feira, no jogo Corinthians x Vasco, pouco explicam e muito confundem.

No episódio caiu morto um torcedor corinthiano e, segundo a mídia, foram presos 19 corinthianos e um vascaíno.

Tanto a Polícia, quanto o Ministério Público, afirmam que o episódio foi uma emboscada de corinthianos contra torcedores do Vasco da Gama.

Difícil entender.

Como explicar que aqueles que fizeram a emboscada estivessem em um ônibus e quatro automóveis contra os mais de quinze ônibus dos vascaínos?

Esta tal desproporção entre os que se preparam para um ataque à delegação vascaína, se fosse confirmada, mudará os manuais de guerra no mundo todo.

Não é possível que um número diminuto de torcedores procurassem encurralar ou emboscar uma legião quase vinte vezes maior.

Estranho que o corinthiano morto, há mais de 500 metros do local do choque, foi massacrado por torcedores que, depois, foram ao Pacaembu vangloriar-se do ocorrido. Igualmente estranha a manifestação das autoridades públicas no sentido de que os torcedores corinthianos não gozavam de proteção por ser, sua torcida, uma dissidência dos Gaviões da Fiel sem CNPJ ou estatuto.


Ora, com o lamentável fato de quarta-feira, ficamos sabendo que há torcidas organizadas protegidas pela Polícia e outras que a Polícia não protege.


É a mais completa confissão do fracasso da Administração Pública, diante de um evento desportivo.

Agrava tudo isto o fato de que entre os protegidos estão torcidas (com CNPJ e estatutos) que nos últimos tempos tiveram problemas com a própria Polícia.

Numa delas foi descoberto um depósito de drogas, noutra, encontrou-se um arsenal de fazer frente aos radicais do Hamas ou do exército israelense.

O melhor que faria a Administração Pública seria definir uma política de segurança para o Estado, sem conchavos com Organizadas ou dirigentes do futebol, pois o que estes querem é exatamente não mudar a atual situação.

Pior de tudo ainda é passarem a perseguir aqueles que não tomam parte em seus conchavos.

Os torcedores corinthianos da rua São Jorge, ou de outros locais, merecem que as autoridades públicas esclareçam esse episódio e também se sua política de segurança ficará restrita a conchavos e conluios com "torcidas com CNPJ".

Não defendo nenhum ato de violência.

Em todo o período em que dirigi o Departamento de Futebol do Corinthians recebi críticas e mais críticas de todas as Organizadas, por isso, neste episódio, não tenho nenhum constrangimento em dizer que os maiores equivocados estão na Administração Pública.

Caso Clayton - O que foi publicado - Por Juca Kfouri

JUCA KFOURI

A violência que alimenta

O MINISTRO do Esporte, entre uma e outra festa para comemorar seu aniversário e lançar sua candidatura a deputado federal, diz que mais uma morte de torcedor em São Paulo não altera em nada a Copa do Mundo de 2014, no Brasil.

E não altera mesmo, ainda mais em se tratando de um pobre coitado, que não tinha nada que estar fazendo ali àquela hora.

O presidente da CBF, entre uma e outra solenidade com vistas exatamente à Copa de 2014, decreta que se a morte não foi dentro do estádio não é problema dele, é da polícia, embora, tempos atrás, tenha tentado se eximir, também, de sete mortos em Salvador, dentro da Fonte Nova, em outro campeonato organizado pela entidade que ele dirige.

E a PM paulista, junto à competente autoridade do Ministério Público, passa a defender jogos com uma torcida só.

Mas pára um ônibus com corintianos no trajeto de mais de uma dezena de ônibus com vascaínos.

Só pode ser por gosto, pois ninguém será capaz de convencer um observador isento que um ônibus, com mulheres dentro, prepare uma emboscada nem para outro ônibus, que dirá para mais de dez.

Esta coluna é mais radical na defesa da paz dos cemitérios: quer jogos sem torcida!

Já a Polícia Civil até hoje foi incapaz de achar os culpados do caso do gás, em Palestra Itália, e da fratura do braço do técnico do Palmeiras, no aeroporto de Congonhas, embora perca seu tempo com um bando de canastrões que se julga perseguido por este colunista.

É que a simulação de indignação com a morte de torcedores dá empregos e alimenta demagogias, ao mesmo tempo em que deixa nu o tamanho da incompetência, e do cinismo, de autoridades e cartolas.

Porque se tem gente que se sustenta na exploração dos ditos torcedores organizados, é sempre bom não perder de vista que do outro lado a violência até elege deputados, capazes de iludir os incautos do me engana que eu gosto.

E lembrar, principalmente, que na origem de tudo está o que deveria preocupar um presidente de CBF, ou seja, o tratamento animalesco que se dá aos torcedores em todos, repita-se, em todos os estádios brasileiros.

Com a óbvia contrapartida do comportamento animalesco dos torcedores, nas chamadas torcidas organizadas e nas numeradas das elites, basta lembrar episódios recentes com as equipes da CBN, no Pacaembu, da Sportv, na Vila Belmiro, e da ESPN Brasil, no Couto Pereira, em Curitiba.

O estádio de futebol e seus arredores viraram faixas de ódio, de covardia coletiva, de extravasamento da idiotia e do que de mais sombrio pulsa na alma humana, embora, registre-se, seja a minoria dos torcedores que assuma tal papel.

Ao contrário, todos os cartolas e autoridades brasileiros que algum dia trataram da questão (todos!) mostraram-se ou incompetentes ou conformados ou coniventes ou cúmplices, porque sustentam também essa minoria raivosa, belicista, irracional e facilmente identificável e isolada da sociedade.

Quando a inflação acabou no Brasil, logo se descobriu, com a falência de bancos, quem lucrava com ela.

No futebol é igual.

Caso Clayton - O que foi publicado - Pelo Observatório da Imprensa

Matou um igual e foi assistir ao jogo

FUTEBOL & VIOLÊNCIA

Matou um igual e foi assistir ao jogo

(texto publicado no Observatório da Imprensa)

Por Walter Falceta Jr. em 9/6/2009

Na virada fria de quarta para quinta-feira (4/6), o repórter Fábio Lucas Neves, da TV Bandeirantes, produzia a típica "matéria de ambiente", depois do empate sem gols que classificara o Corinthians para a final da Copa do Brasil, em São Paulo. Nas arquibancadas do estádio do Pacaembu, ao buscar os personagens para sua reportagem, percebeu que vários vascaínos estavam feridos e que alguns tinham as roupas tingidas de sangue.

Nesse momento, descobriu que algo grave ocorrera cerca de três horas antes. Segundo os torcedores, violento embate fora travado com corintianos nas proximidades da Ponte das Bandeiras, na Marginal Tietê. Os brigões recusaram-se a aparecer diante das câmeras, mas apresentaram alguns troféus da batalha, como bonés, gorros e camisas tomados dos rivais paulistas.

Logo, com orgulho selvagem, exibiram ao jornalista uma carteira de associado da Gaviões da Fiel, cuja imagem foi gravada pelo cinegrafista Alexandre Ribeiro, o "Cabeção". Pertencia a um certo Clayton Ferreira de Souza, que segundo a data de nascimento deveria contar 27 anos de idade.

– Batemos muito, acabamos com ele – jactava-se um fanático cruzmaltino.

Em seguida, Neves e o cinegrafista puseram-se a documentar o incêndio que consumia um dos ônibus alugados pelos visitantes. Nesse momento, ignoravam que o corintiano Clayton, um promotor de vendas de supermercado, morador da Vila Industrial, na periferia da Zona Leste paulistana, já estivesse morto.

A causa? Traumatismo cranioencefálico provocado por agente contundente. O rapaz fora espancado até a morte. Tinha o rosto desfigurado e lhe haviam subtraído os documentos, o celular, o cartão de crédito e até as vestes.

Status de verdade

Neves teria seu esforço de reportagem valorizado na tarde de quinta-feira (4), quando o corpo do jovem foi identificado pela família. "De repente, eu vi que o nome era o mesmo", relata. "Embora eu já cogitasse dessa hipótese, foi um choque."

Esta é apenas uma das inúmeras pontas de uma história de horror cuja coerência escapou à polícia, à promotoria e à grande imprensa. Inúmeras versões chegaram prontamente às páginas dos jornais, às telinhas e telonas, muitas delas tolas ou inverossímeis.

Na madrugada de quinta-feira, a Gazeta Esportiva Net decretava:

"Um ônibus da torcida do Corinthians sofreu uma emboscada. Palmeirenses e vascaínos, que possuem relação amistosa, atacaram os rivais. O tumulto culminou com a morte de um corintiano."

Em matéria levada ao ar às 12h52, a Agência Estado, apresentava outro enredo para a tragédia, baseado em declarações à TV Globo do major Alfredo Donizete Rodrigues de Souza, subcomandante do 2º Batalhão de Choque da PM paulista:

"O confronto começou por acaso, porque um ônibus de corintianos cruzou com o comboio de vascaínos e eles começaram a se provocar – declarou."

Nesse momento, entretanto, uma terceira versão já fora apresentada à imprensa. Às 13h19, por exemplo, o G1 trazia matéria em que o promotor Paulo Castilho, encarregado de combater a violência nos estádios, acusava os corintianos de terem armado a emboscada. Segundo ele, cerca de 50 torcedores da facção Rua São Jorge, uma dissidência da Gaviões da Fiel, distribuídos em um ônibus e quatro carros de passeio, esperaram pelos vascaínos com barras de ferro e armas de fogo. Os cariocas eram cerca de 650, distribuídos em 15 ônibus.

"Eles vieram em paz, mas tiveram que revidar", declarou o promotor ao diário Lance!. Ao Observatório, afirmou que as outras versões eram fantasiosas. "Esse grupo da Rua São Jorge já havia provocado problemas na Baixada Santista", disse.

A partir desse momento, a narrativa adquiriu status de verdade para a grande imprensa, em São Paulo e no Rio de Janeiro. A cobertura limitou-se a reproduzir a história do promotor e da delegada encarregada do caso. Por horas, não se encontrou nos canais de informação qualquer testemunho dos torcedores envolvidos no conflito.

Pautas e fios

O promotor Castilho adiantou-se em pedir a "torcida única" nos estádios de futebol. A solicitação foi imediatamente endossada pela Polícia Militar e divulgada nos principais portais de notícias na internet.

Parecia findo o rito sumário de construção da notícia. A polícia fizera o possível. A exclusão da presença de adversários restituiria a tranquilidade ao mundo do futebol.

À noite, no entanto, a jornalista Leonor Macedo, 26 anos, que hospeda seu blog no site da revista TPM, resolveu expor os resultados de sua investigação jornalística. Depois de ouvir vários torcedores, apresentou outra versão para a ocorrência (ver aqui; outros post sobre o caso no blog eneaotil).

Retidos numa blitz da polícia, nas proximidades do Clube Espéria, os corintianos teriam sido alcançados pelo comboio vascaíno. Em ampla maioria, de dez para um, os cariocas teriam iniciado o massacre.

"Não quero dizer que os paulistas sejam santinhos, mas não me parece razoável que mobilizassem apenas 50 pessoas para enfrentar 500", diz Leonor. "Também é difícil acreditar que os policiais supostamente presentes não tenham sido capazes de impedir o conflito e evitar os linchamentos."

Segundo a jornalista, é estarrecedor saber que a força policial tenha facultado aos assassinos assistir ao jogo, levando ainda como prêmio os pertences de Clayton. "Também vale questionar a razão pela qual a PM se recusou a realizar a escolta do grupo Rua São Jorge e se essa omissão não os levou a constituir a própria defesa", afirma. "Tudo isso é vital à compreensão do caso, mas o que se vê é uma cobertura jornalística chapa-branca, de viés conservador e que despreza a informação divergente."

O trabalho pessoal da repórter reacendeu o debate sobre o caso e também sobre a conduta da imprensa ao noticiar o episódio. Na sexta-feira (5/6), pela manhã, o jornalista Luciano Martins tratou do tema no programa radiofônico deste Observatório, na Rádio Cultura, considerando a hipótese de um gravíssimo erro tático da polícia. "A versão oficial, defendida pelo promotor encarregado do caso, é quase inverossímil, mas a imprensa compra a história sem ouvir testemunhas", afirmou.

Na tarde desse mesmo dia, em matéria de destaque, o portal UOL reproduzia sem dissonância a tese da emboscada corintiana e do "potencial violento" da dissidência da Gaviões da Fiel, repetindo informações da Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância (Decradi).

A redação paulista do diário Lance!, ao contrário, agitava-se no exercício da dúvida e preparava uma matéria especial sobre os enigmas da "batalha da Marginal". "Essa história é um quebra-cabeças em que as peças definitivamente não se encaixam", disse Marcel Merguizo, um dos editores do jornal. "Se queremos fazer bom jornalismo, não podemos aceitar simplesmente a versão oficial."

O repórter Rodrigo Vessoni, enroscado em pautas e fios de telefone, buscava escrever sobre o futebol corintiano e, simultaneamente, obter mais informações sobre o conflito. "A história tecida não confere com os fatos", dizia. "Como é possível que a polícia tenha levado os assassinos até o estádio para assistir ao jogo?".

Cultura subterrânea

De fato, logo após o conflito, a polícia deteve dezenas de corintianos. Um palmeirense e dois vascaínos prestaram esclarecimentos, na qualidade de testemunhas. Quarenta e oito horas depois da trágica ocorrência, não havia qualquer pista concreta do assassino de Clayton.

À hipótese do erro tático somou-se a da negligência. Segundo o promotor Castilho, 22 homens da PM escoltavam o comboio dos cariocas. Nos depoimentos colhidos pelo repórter Fabio Lucas Neves, porém, os vascaínos afirmavam ter chegado ao local do conflito sem qualquer proteção policial. "Acredito na hipótese da emboscada corintiana, mas é fundamental verificar se faz sentido a história contada pelos torcedores do Vasco", afirmava Neves, no fim da tarde de sexta-feira (5). Até aquele momento, a polícia desprezara seu auxílio nas investigações.

Naquele momento, em casa, Neves se preparava para participar de uma festa junina com a família, mas ainda não havia tirado do pensamento a imagem da carteirinha transformada em troféu. Simultaneamente, na Vila Industrial, a família de Clayton Souza cogitava de processar o Corinthians e o estado de São Paulo. Nos portais de internet, o tema já desaparecera das páginas principais.

Matar e espairecer pode constituir-se em evento escandaloso, ainda que menos raro do que se imagina. Entre nós, o entretenimento sucede, com frequência, a infração grave. Não é à toa que se enxerga com certa paralisia complacente a saga do protagonista de Matou a família e foi ao cinema, de Julio Bressane, de 1969, filme cujo apelo temático rendeu um remake, em 1991, dirigido por Neville de Almeida.

Na ficção, como na realidade, nossa cultura subterrânea admite silenciosamente algum crime tido como privado, em que a vítima é o outro distante, e concede ao autor até mesmo o refresco da diversão. Alguém matou um igual e foi ao futebol. Somente isso. Resta saber se esta trama tem fim.

***

Em Tempo

1. Na segunda-feira (8/6) à tarde, o repórter Fabio Lucas Neves (que gravou as imagens da carteira de Clayton nas mãos dos vascaínos) ainda não tinha sido contatado pelos responsáveis pelo inquérito.

2. Nas edições de sexta, sábado e domingo, os repórteres do diário Lance! publicaram várias reportagens que exibiam as incongruências na versão oficial. Seguiam um caminho de investigação desprezado pela grande imprensa.

3. Segundo o promotor Paulo Castilho, não teria ocorrido a visita dos vascaínos à sede dos aliados da torcida Mancha Alviverde. Em sua edição de segunda-feira (8), entretanto, o diário Lance! apresenta links para uma série de vídeos no Youtube que provam esse encontro antes do jogo.

4. Fotos do conflito, publicadas em páginas de vascaínos em sites de relacionamento, comprovavam que esses também portavam artefatos explosivos. Essas imagens também mostravam que o comboio carioca havia, sim, ultrapassado o local onde estariam os corintianos.

5. Na segunda-feira, ainda não havia qualquer pista dos assassinos de Clayton Souza.

Caso Clayton - O que foi publicado - Por Kadj Oman

Quando a política e a burocracia valem mais que a vida

Ontem, 03 de junho de 2009, Corinthians e Vasco decidiram no Pacaembu uma das vagas à final da Copa do Brasil. Ontem, 03 de junho de 2009, na Marginal Tietê, mais um torcedor foi vítima da violência que permeia não só o futebol, mas toda a sociedade. Uma violência que as capas de jornal e as telas de TV não demoram em taxar de “irracional”, “gratuita” e “criminosa”, no que até chegam a ter razão em alguns momentos, mas que nunca buscam explicar e compreender na esfera que diz respeito ao que mais importa: a segurança da vida dos torcedores de futebol.

A informação oficial do promotor de justiça Paulo Castilho e do major da Polícia Cipriano Rodrigues, responsáveis pela segurança no jogo de ontem (e no caso do promotor, pelas políticas de segurança relacionados a jogos de futebol em São Paulo), segundo o jornal Lance! de hoje, é de que “15 ônibus com cerca de 800 cruzmaltinos chegaram pela Rodovia Presidente Dutra. Na altura de Guarulhos, eles foram acompanhados por 20 policiais militares de moto”.

Paremos neste ponto. Não é preciso ser um gênio da matemática para perceber que 20 policiais são mais do que insuficientes para fazer a escolta de 800 torcedores. Ainda mais quando, segundo o próprio promotor, sabia-se da intenção de emboscada entre as torcidas, graças à denúncia anônima que ele mesmo recebeu e por conta da qual impediu os vascaínos de deixarem seus ônibus nas sedes de TUP e Mancha Alviverde, torcidas do Palmeiras aliadas às vascaínas. A idéia dos cariocas era ir a pé ao estádio. Paulo Castilho disse à Polícia para não permitir e ordenou a escolta dos ônibus até o Pacaembu.

No caminho, voltando ao texto do Lance!, “eles acessaram a Marginal do Tietê e, quando chegaram à Ponte das Bandeiras, Zona Norte de São Paulo, cruzaram com quatro carros e um ônibus de corinthianos. De acordo com o major Cipriano Rodrigues (…), os vascaínos conseguiram se desvencilhar da escolta. Tiros e pedaços de paus foram usados no conlfito”.

Não bastasse o absurdo que é não perceber o possível cruzamento entre ônibus de torcidas rivais na Marginal Tietê, via mais do que conhecida de acesso ao estádio, faltou ao comandante contar um pouco mais sobre que ônibus e que carros de corinthianos eram esses, e explicar melhor como os integrantes das torcidas chegaram ao confronto.

Fora o já sabido número ridículo de policiais na escolta vascaína, há muitos outros problemas que levaram ao assassinato do torcedor. Comecemos pela própria escolta. Como a Polícia leva 15 ônibus de torcedores até o estádio sem fazer uma revista em seu interior? Se esta foi feita, como não foram descobertas as barras de ferro, pedaços de pau e armas de fogo utilizadas no confronto? Descaso? Despreparo? Ou a mesma falta de entendimento dos torcedores organizados enquanto um coletivo que tem representação social e jurídica perante à sociedade e o tratamento dos mesmos enquanto bandidos e animais a priori, fazendo com que a minoria violenta ganhe o apoio da maioria não-violenta exatamente por esta se sentir mais segura com a segurança pessoal dos próprios companheiros na base da arma de fogo do que com a segurança que deveria ser provida pela Polícia? Qualquer semelhança com a relação entre moradores de periferia e traficantes que “protegem” a comunidade não é mera coincidência; qualquer relação com o resultado do plebiscito sobre o porte de armas de fogo realizado anos atrás, também não.

Além disso, a Polícia credita aos torcedores corinthianos a intenção da emboscada, por ter encontrado com estes as já citadas barras de ferro e armas de fogo. Os mesmos 60 e poucos que vinham em um ônibus e quatro carros e que foram presos após o confronto pelo porte das armas e por tentativa de homicídio, juntos aos vascaínos envolvidos. Agora, dá mesmo para acreditar que 60 e poucas pessoas buscavam emboscar 800? Ou será que é mais fácil omitir informações sobre essas 60 pessoas? Como aqui a intenção é contextualizar ao invés de pintar um cenário apocalíptico e irracional como de costume, vamos a elas.

A pequena caravana corinthiana era composta por membros do Movimento Rua São Jorge. Um grupo de associados da Gaviões da Fiel que se indignou com algumas práticas às quais são contrários na quadra da torcida – como corrupção – e passou a se encontrar na Rua São Jorge para ir aos jogos. Grupo esse que conta com diversas lideranças importantes da Gaviões e que, entre outras coisas, promoveu um seminário sobre torcidas organizadas envolvendo jornalistas, políticos e torcedores buscando colocar as torcidas como o que deveriam ser, representantes do torcedor no mundo do futebol, a lutar contra o preço dos ingressos e a condição indigna a que são submetidos jogo a jogo, por exemplo. Em outras palavras, lutam para serem entendidos e respeitados como um movimento social, e não meros consumidores.

Iam ao jogo de ontem, como sempre, sem escolta, porque a Polícia Militar simplesmente não os reconhece enquanto torcida – apesar de serem sócios ativos da Gaviões da Fiel – já que não tem CNPJ. Enquanto um grupo pequeno em relação aos “bondes” já estabelecidos há tempos por todas as outras organizadas, e por concentrarem várias lideranças da Gaviões, são sempre alvo de ataques e emboscadas – muitas já denunciadas pela mídia afora. Algo que a Polícia e a Secretaria de Segurança Pública preferem ignorar burocraticamente – até que coisas como o que passou ontem aconteçam. E aconteçam, neste caso, porque a Polícia parou os corinthianos para revistá-los a uma distância de 100 metros dos vascaínos, segundo um torcedor que estava no ônibus corinthiano. Além da completa falta de comunicação e planejamento, se fez presente como sempre o descaso com o torcedor organizado, tratado como lixo, e com a vida – o que infelizmente não é de se estranhar quando estamos falando da mesma Polícia que protagonizou cenas como o massacre do Carandiru. A organizada, transformada em sujeito, atravessa a própria condição dos sujeitos pertencentes a ela, que não são mais pessoas, apenas números e nomes na lista de envolvidos e mortos.

Não se justifica encontrar entre torcedores que vão a um estádio de futebol barras de ferro e revólveres. Mas a explicação para isso não é simplesmente algum tipo de vontade sociopata de matar presente em todos eles. Cada vez mais, as políticas em relação aos estádios vão no sentido de isolá-los, excluí-los, elitizar as arquibancadas e passar a imagem do estádio enquanto um ambiente seguro e tranquilo a ser consumido – por quem pode pagar R$ 4,00 num simples churros e ir a jogos às 21h50 de uma quarta-feira. O problema, que as autoridades terão de enfrentar em algum momento, é que o jogo não se resume – nunca se resumiu – ao espaço do estádio. O futebol está presente por toda a cidade, ainda mais em dias de jogos, e tentar reduzí-lo ao estádio não é um risco, é uma opção política, uma orientação que tem o mesmo sentido daquela que permite a certos grupos espancar e matar moradores sem-teto no centro da cidade, e retirá-los de prédios ocupados usando de força desmedida, mesmo contra mulheres, crianças e idosos.

Hoje, há dezenas de pessoas hospitalizadas, algumas com ferimentos a bala. E como já se sabe amplamente, uma pessoa, ainda não identificada, foi espancada até a morte e deixada na Praça Campos de Bagatelle, palco recente da comemoração de títulos conquistados pelos clubes paulistanos. Apenas de cueca, sem documentos e com o rosto completamente desfigurado. Uma estratégia comum no mundo do tráfico de drogas – assim como o incêndio do ônibus vascaíno em represália acontecido durante o jogo, que não se compara em nada à morte do torcedor – a destruição de um patrimônio material nunca é mais importante do que a perda de uma vida. E os meios de comunicação, como sempre, noticiarão o caso em sua maioria como uma simples briga de gangue, darão voz aos que querem o banimento das torcidas organizadas, aos jogos de uma torcida só – os mesmos que não sabem, ou fingem não saber, que o São Paulo x Corinthians da primeira fase do Paulistão, aquele em que vigorou pela primeira vez a restrição de 5% às torcidas visitantes, registrou número recorde de ocorrências pela cidade desde aquele São Paulo x Palmeiras pela Copa São Paulo de Juniores em que um torcedor foi morto a pauladas dentro de campo – cena repetida milhões de vezes pelos canais de televisão até hoje.

Em 2014, o Brasil sediará uma Copa do Mundo. São Paulo, provavelmente, será o palco da abertura e, com certeza, de diversos jogos importantes. Até lá, como estarão as medidas de segurança pública em dias de jogos? E a condição dos torcedores, organizados ou não? Caminharemos para o mesmo destino do Rio de Janeiro, com seu Pan-Americano que retirou moradores de rua às pressas para a vistoria do COI e que deixou de herança elefantes brancos, construídos com dinheiro público, prestes a serem prrivatizados a preço de banana? Ou há força suficiente para nos organizarmos por uma Copa que seja realmente nossa, da qual façamos parte, sobre a qual sejamos consultados – como deveríamos ser sempre quando se trata de medidas de segurança pública?

Se a mídia, que tem o dever de informar, quase sempre não o faz com a clareza e a crítica necessária, que ao menos textos como este e ações que sigam na direção de acabar com as mortes e a exclusão social sejam difundidos de todas as formas possíveis. Se ele chegou até você, leia. Pare, reflita, critique, encaminhe. Que começemos a criar, de todas as formas ao nosso alcance, um fórum de discussão sobre estes assuntos. Dizem respeito às nossas vidas. E podem determinar, como ontem, a nossa morte um dia.

Que, a partir de hoje, nenhum episódio sequer de violência passe despercebido e sem ser denunciado no seu conteúdo total. É este o desejo de quem escreve este texto. Porque escrever é muito mais do que saber juntar palavras – ainda mais quando se ganha pra isso.

Kadj Oman
DHVCorinthians

04/06/2009

Caso Clayton - O que foi publicado


Um zagueiro e um ônibus em chamas. Frutos de um futebol sem limite, desorganizado e desumano. Um futebol que repete os mesmos erros na alegria e na tristeza

Quando o William foi incendiado por faíscas de sinalizadores e papéis picados, resultado de uma equação bem simples e capaz de ser prevista até por uma criança ainda bem pequenina, boa parte da imprensa sorriu. Achou curioso - para não dizer engraçado - que diante de um Pacaembu lotado, o capitão do time campeão paulista de 2009 pegasse fogo ao lado do Ministro dos Esportes Orlando Silva, do Secretário de Esportes da Cidade de São Paulo Walter Feldman e do presidente do clube Andres Sanchez. E, mais uma vez, limitou-se a resumir o fato somente em manchete e noticiou-o em duas linhas como se fosse um acidente casual.

Ao atear fogo no ônibus da torcida do Vasco ontem, 03/06, os torcedores corinthianos conseguiram uma atenção pouco maior por parte dos jornalistas. Digo pouco porque, apesar de ter sido massacrada com notícias sobre o fato em todos os veículos de comunicação, nenhum jornalista buscou, novamente, saber o que aconteceu na noite de ontem.

Li um promotor discursar sobre uma possível emboscada de corinthianos, associados aos Gaviões da Fiel e pertencentes ao movimento da Rua São Jorge, preparados para pegarem a torcida do Vasco na Ponte das Bandeiras. Ouvi a polícia dizer que nos quatro carros que acompanhavam o ônibus das pessoas da Rua São Jorge havia barras de ferro e uma espingarda de calibre 12. Vi a Ana Maria Braga gritar com um papagaio falante ao seu lado que "aquilo não era torcedor, mas um bando de marginal e vagabundo".

E precisei de três ou quatro telefonemas para tentar ouvir quem nunca é ouvido. Alguém que, infelizmente, é sempre um de nós.

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Quando o Mandioca me procurou na arquibancada ontem, no intervalo do jogo, e me disse que havia ocorrido um confronto entre torcedores da Rua São Jorge e torcedores do Vasco, eu busquei com os olhos algum amigo integrante do movimento. Achei e perguntei se ele tinha alguma informação.

- Estou esperando alguém me dar notícias, mas há bastante gente ferida porque o negócio foi feio. Parece que houve um tiroteio.

Vi as lideranças das torcidas conversando próximas ao alambrado até o intervalo do segundo tempo. Senti um clima tenso, pesado, frio, preocupado e preocupante. Mais do que já estava naquela noite gelada de outono, de uma semifinal vencida por 0 a 0 em uma partida mal disputada.

Ao sair, esmagada por uma multidão desorganizada, peguei uma carona com um amigo. Ligamos o rádio e ouvimos que havia um ônibus da torcida do Vasco incendiado do lado de fora do Pacaembu em represália à morte de um torcedor corinthiano na Marginal Tietê.

Cheguei a minha casa e as primeiras informações já estavam na internet: emboscada, briga, tiro, espancamento, fogo, ônibus, nada. Liguei para dois ou três amigos que provavelmente estariam no ônibus de corinthianos da Marginal, já que eles são lideranças do Movimento Rua São Jorge e costumam sair do Corinthians em dia de jogo até o Pacaembu. Nada mais coerente. Nenhum atendia ao telefone. Dormi mal e preocupada.

Quando acordei, as notícias eram as mesmas. Exatamente nada apurado. Liguei o MSN e encontrei um amigo que havia visto ontem no estádio:

- Está sabendo de alguma informação?
- Sim. Saí do jogo e fui ao PS de Santana, para onde foram levados os torcedores feridos. O torcedor morto não foi reconhecido. Foi encontrado pelado, só de cueca, na Praça Campo de Bagatelle, sem nenhum documento e desfigurado.
- E o que aconteceu?
- 15 ônibus do Vasco cruzaram com um do Corinthians na Marginal Tietê.

Difícil acreditar que torcedores de um ônibus do Corinthians fizessem emboscada para 15 ônibus com torcedores do Vasco. Nem toda a falta de bom senso do mundo atropelaria essa matemática.

Depois falei de novo com o Mandioca, que tinha conversado com o Sid, que tinha falado com o Gabriel, todos tentando encontrar alguma informação do que aconteceu, de algum amigo ferido, morto.

O Gabriel não tinha conseguido entrar no estádio porque um dos meninos que estava com o ingresso dele também estava no ônibus da Rua São Jorge, indo para o Pacaembu. Às 21h50, horário em que começaria o jogo, ele ligou para esse amigo:

- Pô, são 21h50. Cadê você com meu ingresso? O jogo está começando.
- A polícia parou a gente para uma revista aqui na frente do Clube Esperia. Acho que já já eu to aí. Peraí, mano, putaquepariu!!!!! Peraí que os caras da Força Jovem estão correndo para cima da gente.

E desligou o telefone. O Gabriel não entendeu bem o que tinha acontecido e continuou na porta do estádio, na esperança de conseguir o seu ingresso e entrar para ver o jogo. Um tempo depois, apareceram de táxi algumas pessoas que estavam na briga para contar o que tinha acontecido. Pareciam zumbis, inchados, cortados, com os agasalhos encharcados de sangue.

- Quem conseguiu escapar está aqui. Quem não conseguiu, está preso ou foi parar no hospital - disse um deles para o Gabriel.

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Depois li na internet o promotor declarando que a emboscada já estava armada há muito tempo. Que na quarta-feira de manhã ele já tinha recebido uma denúncia e que a torcida do Vasco tinha proposto deixar os ônibus nas sedes da TUP e da Mancha Verde, organizadas do Palmeiras e que são co-irmãs da Força Jovem, como eles gostam de dizer. Mas que a promotoria e a polícia não tinham aceitado porque, no trajeto a pé ao Pacaembu, haveria enfrentamento entre torcedores.

Ficou decidido que ao chegar a Guarulhos os ônibus da torcida do Vasco receberiam escolta policial até o Pacaembu, fazendo o caminho pela Marginal Tietê. Mesmo caminho que fazem os torcedores corinthianos lá da Zona Leste e que a polícia do estado saberia se tivesse alguma comunicação até mesmo por um walk talk.

Foi neste trajeto que tudo aconteceu. E só quem estava lá saberia me dizer o que tinha rolado. Até que consegui falar com um dos amigos lideranças do movimento, hospitalizado.

- Como você está?
- Sem dente, cabeça cheia de ponto, com dor até para respirar. Talvez tenha que operar a mão e o braço.
- E o que aconteceu?

O que aconteceu foi que a Rocam parou o ônibus dos torcedores do Corinthians para uma revista. E parou quatro carros de corinthianos que estavam junto. O ônibus dos torcedores corinthianos não tinha nenhuma escolta policial porque, segundo a promotoria, eles não são torcedores organizados com CNPJ. Mas são. Torcedores dos Gaviões da Fiel que se reúnem longe da sede. Só que em um Estado de Direito, onde existe uma constituição que alega que é dever desse Estado zelar pela segurança de seus cidadãos, qualquer pessoa física deveria ter garantida a sua integridade física. Não precisaria pertencer a nenhuma associação, agremiação, clube, empresa, fundação, OSCIP, ONG para conseguir chegar viva ao estádio de futebol. A qualquer lugar.

Com a proteção policial negada e sob ameaça de bater e apanhar, provavelmente a mesma que o promotor havia recebido na manhã de quarta, esse grupo de corinthianos resolveu fazer a própria segurança. Gentileza gera gentileza, estupidez gera estupidez.

Ao ver a Rocam parada em frente ao Clube Esperia, dando uma batida policial no grupo de corinthianos, outros 20 policiais da Rocam que trabalhavam na escolta da torcida do Vasco e que não foram avisados que por aquele caminho fatalmente as torcidas se encontrariam, resolveram parar os ônibus do Vasco a fim de evitar esse confronto. Mas pararam muito perto. Aos poucos, eles foram descendo, 800 deles.

Incontroláveis como toda massa enfurecida por uma rivalidade bestial, porém histórica, os vascaínos partiram para cima dos corinthianos. Carregando barras de ferro, armas, paus, rojões e outros objetos que serviram de arma e que não foram tomados pelos policiais da escolta em uma revista que não aconteceu. E massacraram os corinthianos. E mataram um deles atirando o corpo em uma praça que foi palco da comemoração do Campeonato Paulista de 2009, no mesmo dia que o William pegou fogo.

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Eu que estava no estádio, soube disso no dia seguinte, mas não saberia se não tivesse ligado para meia dúzia de amigos e só esperasse a notícia que me dão. O que sei é que, naquela noite - e falo agora como se tivesse passado muito tempo porque será daquelas noites que carregarei para sempre - os 800 torcedores do Vasco que brigaram antes do jogo chegaram atrasados na partida, mas chegaram. Conseguiram entrar no estádio, assistir a partida do seu time que, mesmo perdendo, lutou até o final pela classificação. Mas o Clayton, que morreu nu e desfigurado em uma praça da Zona Norte de São Paulo, não vai conseguir chegar nunca mais.

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Essa é a versão que não é publicada nos jornais, que não aparece na televisão, que não se ouve no rádio, mas que mesmo assim existe. Que é fruto de uma equação tão banal quanto àquela que fez o William pegar fogo na alegria de se comemorar um título. E que, nem por isso, é evitada.

Quem sofre a violência dentro e fora dos estádios sabe quais são os motivos que o levam a ela. Sabe que qualquer violência é fruto de algo muito maior: de uma nação deseducada, desorganizada e cada vez mais desumana; de um Estado omisso, corruptível, impune, burocrático; de uma polícia despreparada, mal paga, preconceituosa; de uma imprensa burra, preguiçosa e reacionária; de um futebol paternalista, aproveitador, interesseiro e explorador.

E sabe justamente o que fazer para combater a violência. Toda a promotoria, comissão de paz, clubes, polícia, torcedores, ministério, imprensa, todo mundo sabe qual é seu papel nessa história. Mas só o que se vê é a repetição dos mesmos erros. E a simplificação das soluções. Porque é muito mais fácil criar uma camisa e um ônibus à prova de fogo do que parar de atear fogo em jogador e matar torcedor, cidadão. Todos nós inflamamos o William. Todos nós matamos o Clayton.

Caso Clayton

Na semifinal da Copa do Brasil, disputada entre Corinthians e Vasco, o encontro entre duas torcidas organizadas ocasionou a morte de um torcedor corinthiano. Clayton Ferreira morreu seminu e desfigurado naquela noite fria de quarta-feira, 03 de junho, antes de ver seu time se classificar para a final contra o Inter.

Dois dias depois de conhecermos o campeão do torneio, completará um mês de sua morte. Promotoria e polícia culpam a torcida do Corinthians por uma emboscada e ignoram o bom senso, a verdade e os assassinos. E a gente continua amargando o mesmo do mesmo, neste futebol brasileiro desorganizado, injusto, impune, preconceituoso, elitista e desumano. Até quando?

2º tempo

Acho que vou voltar a escrever aqui. Faz tempo, né?